segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Apoteose


Quase ao final do ano passado, em 29 de novembro, Mário Monicelli suicidou-se em Roma. Aos 95 anos, o cineasta, um dos “maestros” da comédia italiana, arrojou-se pela janela do Hospital San Giovanni, onde estava internado para tratamento de um câncer na próstata.

Apesar da obra vastíssima, a crítica internacional sempre o colocou num segundo plano, como um inferior a Fellini, Pasolini, Visconti, Bertolucci, Rosselini, Tornatore e até a Roberto Begnini. Uma tremenda injustiça. Desde 1935, quando lançou “I ragazzi della Via Paal”, com Alberto Mondadori, seu trabalho oscilou entre a comédia e o drama. Dirigiu com maestria os melhores da Itália: Vittorio Gassman, Cláudia Cardinale, Totó, Sophia Loren, Mastroianni, entre outros tantos.

Seu drama era sempre denso e a comédia, deliciosa. Para ele o riso do povo era uma arma letal. Deixou isso plasmado em 1971 em “A Mortadela”, com a ainda exuberante Sophia Loren, interpretando uma bela napolitana barrada no aeroporto de Nova Iorque por que tinha consigo uma mortadela gigantesca, presente para seu noivo; em 1992, com “Parente é Serpente”, com Tommaso Bianco, ele nos mostra o desinteresse das famílias pelos seus velhos e a superficialidade das relações de parentesco. Mas, sua melhor comédia é de 1966, com Vittorio Gassman, “L’Armata Brancaleone” (O incrível exército de Brancaleone), onde um pequeno grupo de vagabundos esfomeados, durante a Idade Média, parte numa aventura para tomar posse de umas terras no sul da Itália, entre encontros e desencontros, duelos bizarros, Monicelli nos dá uma demonstração de resistência tenaz dos pequenos, dos explorados e excluídos.

O seu melhor drama é de 1963 com Mastroianni, “I Compagni” (Os Companheiros), contando a emblemática luta de um intelectual desempregado, o professor Sinigaglia, na sua tentativa de organizar os trabalhadores de uma fábrica de Turim, no final do século XIX, quando a exploração do trabalho operário não encontrava nenhum limite. O filme proibido durante o período militar, representa o papel do intelectual engajado nos problemas de seu tempo e da sua sociedade, que entende que sua voz há de estar à serviço do povo, e não de interesses privados, mesmo que sejam dos gabinetes de governo, portanto, livre para criar como queira. A figura deste intelectual hoje está esvaziada, ele já não se insurge contra a corrente, pois sua arte é patrocinada pelo poder. Apesar de décadas passadas, o discurso é atual.

Monicelli fechou sua última cena num final apoteótico, da janela do quinto andar do hospital salta sobre o abismo que separa a náusea de uma existência medíocre do sentimento de ser realmente livre para viver as próprias escolhas. Só quem perde com sua partida somos nós, os cinéfilos.

Corta! Grazie, maestro, Monicelli!

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