terça-feira, 27 de março de 2012

Entre a Cruz e a Montanha



A discussão permanece, então, o tema não se esvai. O Conselho da Magistratura do RS determinou, por unanimidade, atendendo requisição da Liga Brasileira de Lésbicas, a retirada dos crucifixos dos espaços públicos nos prédios da justiça gaúcha. Em seu voto, o relator afirma que uma sala de tribunal, sob o símbolo de uma igreja, não parece ser a melhor forma de se mostrar o Estado laico eqüidistante dos valores em conflito. Parece-me que a discussão é mais política que religiosa, não fosse assim, teriam pedido também a retirada da imagem da deusa Temis, aquela vendada que representa a Justiça. Não sei se com ou sem crucifixo a Justiça será melhor distribuída. Homossexuais e ateus militantes têm lutado arduamente para garantir seus direitos, nem sempre respeitados pelos religiosos. E isso é política. O peixe foi a representação do Cristianismo até o início da Idade Média, mudou, talvez, com o Concílio de Nicéia em 325. Sempre me pareceu estranha a adoração dos católicos pela cruz. Podem até afirmar que a cruz simboliza o martírio de quem sofreu para redimir a humanidade, mas continua sendo um objeto de tortura, de infâmia e de injustiça, usado para penalizar ladrões e criminosos, o que Jesus, com certeza, nunca foi. Ao contrário, sempre entendi que o maior incentivo à reforma do homem, como quer o Cristianismo, deveria ser o Sermão da Montanha, o Código ético e moral orientador de toda a humanidade, acima mesmo das religiões. Por isso, entre a Cruz e a Montanha, prefiro a Montanha. Os desesperados e famintos por justiça não têm sido saciados sob a égide da cruz. Mas, a sua manutenção ou retirada não significam nada. Nada será modificado. O coração dos homens é que precisa ser modificado, e essa mudança é intrínseca, íntima e pessoal; nenhum símbolo, por mais representativo que seja, tem poder para isso. É preciso vontade e consciência. Aos juízes não se deve cobrar postura religiosa, se crêem ou não em determinada facção. Antes, que sejam probos, que tenham espírito aberto, que tenham capacidade de distribuir a Justiça com equidade, imbuídos de compaixão e misericórdia pelos desvalidos e injustiçados. Mas, assim deveríamos ser todos nós, e talvez não precisássemos recorrer à Justiça. Até lá, um crucifixo na parede não consegue abençoar o lugar, e o Cristo nele representado, de braços abertos, não abraça a ninguém, e o sangue em seu rosto, não purifica nada.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Quem faz o trânsito?


A cada final de semana, principalmente neste verão interminável, as contas do trânsito são tragédias que se somam. Num primeiro instante, chocados, pomo-nos a refletir sobre tantas vidas perdidas inutilmente. Aí, sob o manto deste furioso egoísmo, percebemos que as vidas perdidas são “deles”, não as nossas ou dos “nossos”. Ah, triste engano! A morte pode estar na próxima esquina, na próxima curva, mesmo que o sujeito não tenha bebido ou que ande de acordo com as regras de trânsito e de civilidade.

Constantemente uso a BR-116 para visitar minha mãe, pois no pequeno trecho de estrada, pode-se ver claramente que a maioria dos condutores não anda a menos de 110 ou 120 Km/h. Como me diz minha mulher (a voz da consciência sentada no banco do carona): “O anjo da guarda só protege até 100, depois dos 120, não sobra nem o espírito”. Numa velocidade destas, com o tráfego intenso, um pneu furado, um descuido, uns goles a mais, e certamente vai acontecer outra tragédia. Tem gente que passeia ou vai trabalhar como se apostasse corrida. “Ai, o meu carro é mais bonito e mais veloz que o teu!” E as motocicletas? Meu Deus! Elas chegam, escondidas dos espelhos, de repente, passam tão rápido, tão espremidas entre os carros, num ronco ensurdecedor, que o motorista leva um susto. Ah, motoristas profissionais, táxis, ônibus, caminhões, tenham vergonha, vocês deveriam servir de exemplo e infelizmente um grande número não serve também. O pior é que neste negócio de motores potentes, direção perigosa, álcool e cérebros inábeis, o acidente acaba por envolver o condutor que não tem nada a ver com a irresponsabilidade alheia. Nas cidades a coisa não é melhor. A impunidade faz afagos na imprudência e na irresponsabilidade de quem só respeita a lei onde há pardal ou agente de trânsito com bloco de multas na mão. O resultado disso a gente vê nos jornais e nos necrotérios. As pessoas estão se matando e continuam acreditando que nunca vai acontecer com elas. Tá, o Estado tem um bocado de responsabilidade nisso, concordo. Mas, não dá para botar a culpa só na falta de sinalização ou fiscalização; ora, o condutor legalmente habilitado é responsável não só pelo seu veículo, mas pelos veículos e pelas vidas ao seu redor. Vamos parar para pensar. O trânsito não é cada um faz o que quer. A autoridade não pode estar em todos os lugares. Qualquer veículo, hoje se transforma facilmente numa arma a provocar ferimentos, sequelas e mortes. Impossível escolher onde se dará o prejuízo, se no bolso ou na vida. Toda esta tragédia, toda esta sangueira deveriam servir para reflexão mais profunda e não só momentânea. Pode ser com você amanhã..., ou comigo.

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