quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Esqueci meu Passaporte



              Chegamos de viagem. Voltamos para casa, a Zildinha e eu, depois de uma curta temporada em João Pessoa. Trazemos, ainda, nas retinas, aquela beleza toda, aquela cor de esmeralda que é do morno mar da Paraíba. Coqueiros, coqueiros, coqueiros altíssimos, ao longo das praias, cheios de cocos, vejam só. A Ponta do Seixas, o ponto mais próximo da África de todas as Américas. Eles dizem que se você tomar um gole da cachaça local e firmar bem os olhos começa a ver as girafas e elefantes do outro lado, se não conseguiu ver, é por que bebeu pouco. O pôr do sol no Jacaré, ao som do Bolero de Ravel, é inesquecível. A feirinha de artesanato no Tambau é parada obrigatória. Ruas limpas, trânsito ordeiro, árvores, muitas árvores. Mas, o melhor de João Pessoa, apesar da beleza desbundeante, são as pessoas, é a gente de lá que faz o melhor de lá. Educados, gentis, interessados, hospitaleiros, e muito alegres. Uma alegria simples e contagiante. Um povo sem afetação. Nós, aqui do sul, estamos meio desacostumados da gentileza. Lá, recebíamos “bom dia!” de qualquer um que nos cruzasse o caminho. Uma coisa, por aqui, cada vez mais rara. Bem, mas como tudo que é bom, dura pouco, tivemos que voltar para nossa realidade.
                 Como num filme ruim, corta e muda de cena. Chegamos ao Aeroporto do Galeão para conexão para Porto Alegre. A gentileza de João Pessoa ficou em João Pessoa. A menina da GOL, na boca de saída daquele tubo, só disse: “Conexão para Porto Alegre: 2º andar, ala C.” E deu! Nenhum sorriso, nada de Boa tarde, Por favor me acompanhem, nem pensar. Fomos largados no saguão externo do Galeão, abarrotado de gente, e nós em conexão, sem saber onde é que tínhamos de ir. Bem, pergunta daqui e dali, sobe e desce escada, e chegamos a tal ala C. Pois, é o Embarque Internacional. E nós com bagagem de mão, vindos da Paraíba, só tentando voltar para o Rio Grande. Nova inspeção da ANAC. A Zildinha já ficou. Claro, na bagagem dela estavam perfume, desodorante, cremes de mão, de rosto, essas coisas todas e mais minhas seringas para a insulina. “Isso não pode passar.”, “Mas, como? Estamos em trânsito para Porto Alegre.”, “Não posso fazer nada! Regras da ANAC. Aqui é ala internacional.”, “Nós não temos nada com isso, a GOL nos deixou sozinhos...”, “Não posso fazer nada..., ou despacha de novo ou fica tudo.”, “Não tenho mais bagagem para despachar, fizemos o embarque em João Pessoa. Estamos num voo doméstico.”, “Não, não está! Esta é a ala internacional...”, enfim, perdemos a disputa,  deixamos o que tinha de ser deixado. Aliviaram a minha insulina.    

                    E toca em frente, olha a hora do embarque. Então, damos de cara com um brete que fazia voltas no salão. Aquilo lotado de gente, umas trezentas pessoas. Era a imigração. Cacete! Eu só quero ir para o Rio Grande. E o alto-falante berra: “Passaportes à mão! Todos estão sujeitos a nova inspeção, de acordo com a Lei Nº sei lá o quê.” Como assim passaportes? Tá certo que o Rio Grande só perde para o mundo em tamanho. Mas, que eu saiba, um cidadão rio-grandense não precisa de passaporte para voltar para o seu pago. Masaaahhh! Era o que faltava. E eu ali, suando feito porco, carregando bagagem de mão, mais brabo que cavalo xucro. Pois, atravessamos reto o tal do brete esse. Chamei um policial federal que ajeitava aquela fila, expliquei nossa situação, ele deu um xingão na ANAC e na GOL, e nos mandou passar apara o embarque. Depois de tudo, o voo ainda atrasou uns 40 minutos, nós escapamos do passaporte, mas a tripulação do avião não. Tiveram que enfrentar aquele brete. Então, agora quem é que vai dizer que não se precisa de passaporte para entrar no Rio Grande?

quarta-feira, 18 de julho de 2012

A Praga

                Nunca gostei de eufemismos. Sempre os tive na conta de “enganação”. Soa como coisa falsa, dita pelas costas, jeitosa demais. Eu estava no ginásio (só a Velha Guarda sabe o que é), não sei mais qual era o tema da aula, mas lembro que no meio da conversa, eu larguei o termo “leproso”, a professora corrigiu de pronto: “Não se fala leproso, é hanseniano”. Ah, me perdeu para sempre, e daí em diante desgostei da coisa. Passei também a desconfiar, há alguns anos, dessa baboseira que é o “politicamente correto”. Então, vem agora o Luiz Felipe Pondé com o seu livro “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia” (que logicamente recomendo a leitura), fazer chover no meu jardim, onde planto as minhas florezinhas de ironia. Ele faz uma crítica profunda, porém, irônica, sarcástica, como é seu jeito, sobre o que ele chama de a praga politicamente correta. Ora, uma coisa desagradável não deixará de ser desagradável só por que eu a menciono de forma mais “atenuada”. O politicamente correto é a glorificação do eufemismo. Mas, é também uma ditadura da covardia que impõe um tipo de comportamento que visa ser agradável, quase superficial (e quase sempre falso e preconceituoso). Ouvi uma mulher falar, cheia de dedos, indicando um homem que lhe prestara um serviço lá qualquer: “Ah, é um rapaz assim:... moreninho!”. Quer mais preconceito que isso? Ora, que raio de cor é essa? Pois, a cor é preta e a etnia (não gosto do termo raça) é negra, minha senhora! Não há nisso nenhuma ofensa. Ofender é tratar quem quer que seja com desdém, falta de educação, com prepotência, arrogância e preconceito. A mim, esta praga politicamente correta parece uma demonstração de falsa virtude, de acatamento de uma visão “supostamente correta” do que seja a inclusão das minorias. Isso não diminui distâncias, mas sim realça as diferenças. É como se a profissão de alguém, a cor da pele ou qualquer disfunção ou deficiência física fosse um atributo imoral, uma coisa que só possa ser pronunciada à meia voz ou às escondidas. Beiramos, sim, as raias da discriminação quando não temos capacidade de reconhecer que valores morais têm de se sobrepor às diferenças físicas e intelectuais. Criamos com isso, relações pessoais de mentira calcadas na superficialidade, no egoísmo e no preconceito gerando uma sociedade igualmente mentirosa, superficial e hipócrita. Daí o resultado de as nossas instituições serem carcomidas pela mentira, ou devo dizer: “ausência da verdade”. Ou seja, faz-de-conta que somos um governo democrático, justo, honesto e preocupado com o bem estar social; e faz-de-conta que vocês são um povo ordeiro, honesto, trabalhador e cheio de civilidade. Você faz-de-conta que é verdade, eu faço de conta que acredito.

terça-feira, 27 de março de 2012

Entre a Cruz e a Montanha



A discussão permanece, então, o tema não se esvai. O Conselho da Magistratura do RS determinou, por unanimidade, atendendo requisição da Liga Brasileira de Lésbicas, a retirada dos crucifixos dos espaços públicos nos prédios da justiça gaúcha. Em seu voto, o relator afirma que uma sala de tribunal, sob o símbolo de uma igreja, não parece ser a melhor forma de se mostrar o Estado laico eqüidistante dos valores em conflito. Parece-me que a discussão é mais política que religiosa, não fosse assim, teriam pedido também a retirada da imagem da deusa Temis, aquela vendada que representa a Justiça. Não sei se com ou sem crucifixo a Justiça será melhor distribuída. Homossexuais e ateus militantes têm lutado arduamente para garantir seus direitos, nem sempre respeitados pelos religiosos. E isso é política. O peixe foi a representação do Cristianismo até o início da Idade Média, mudou, talvez, com o Concílio de Nicéia em 325. Sempre me pareceu estranha a adoração dos católicos pela cruz. Podem até afirmar que a cruz simboliza o martírio de quem sofreu para redimir a humanidade, mas continua sendo um objeto de tortura, de infâmia e de injustiça, usado para penalizar ladrões e criminosos, o que Jesus, com certeza, nunca foi. Ao contrário, sempre entendi que o maior incentivo à reforma do homem, como quer o Cristianismo, deveria ser o Sermão da Montanha, o Código ético e moral orientador de toda a humanidade, acima mesmo das religiões. Por isso, entre a Cruz e a Montanha, prefiro a Montanha. Os desesperados e famintos por justiça não têm sido saciados sob a égide da cruz. Mas, a sua manutenção ou retirada não significam nada. Nada será modificado. O coração dos homens é que precisa ser modificado, e essa mudança é intrínseca, íntima e pessoal; nenhum símbolo, por mais representativo que seja, tem poder para isso. É preciso vontade e consciência. Aos juízes não se deve cobrar postura religiosa, se crêem ou não em determinada facção. Antes, que sejam probos, que tenham espírito aberto, que tenham capacidade de distribuir a Justiça com equidade, imbuídos de compaixão e misericórdia pelos desvalidos e injustiçados. Mas, assim deveríamos ser todos nós, e talvez não precisássemos recorrer à Justiça. Até lá, um crucifixo na parede não consegue abençoar o lugar, e o Cristo nele representado, de braços abertos, não abraça a ninguém, e o sangue em seu rosto, não purifica nada.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Quem faz o trânsito?


A cada final de semana, principalmente neste verão interminável, as contas do trânsito são tragédias que se somam. Num primeiro instante, chocados, pomo-nos a refletir sobre tantas vidas perdidas inutilmente. Aí, sob o manto deste furioso egoísmo, percebemos que as vidas perdidas são “deles”, não as nossas ou dos “nossos”. Ah, triste engano! A morte pode estar na próxima esquina, na próxima curva, mesmo que o sujeito não tenha bebido ou que ande de acordo com as regras de trânsito e de civilidade.

Constantemente uso a BR-116 para visitar minha mãe, pois no pequeno trecho de estrada, pode-se ver claramente que a maioria dos condutores não anda a menos de 110 ou 120 Km/h. Como me diz minha mulher (a voz da consciência sentada no banco do carona): “O anjo da guarda só protege até 100, depois dos 120, não sobra nem o espírito”. Numa velocidade destas, com o tráfego intenso, um pneu furado, um descuido, uns goles a mais, e certamente vai acontecer outra tragédia. Tem gente que passeia ou vai trabalhar como se apostasse corrida. “Ai, o meu carro é mais bonito e mais veloz que o teu!” E as motocicletas? Meu Deus! Elas chegam, escondidas dos espelhos, de repente, passam tão rápido, tão espremidas entre os carros, num ronco ensurdecedor, que o motorista leva um susto. Ah, motoristas profissionais, táxis, ônibus, caminhões, tenham vergonha, vocês deveriam servir de exemplo e infelizmente um grande número não serve também. O pior é que neste negócio de motores potentes, direção perigosa, álcool e cérebros inábeis, o acidente acaba por envolver o condutor que não tem nada a ver com a irresponsabilidade alheia. Nas cidades a coisa não é melhor. A impunidade faz afagos na imprudência e na irresponsabilidade de quem só respeita a lei onde há pardal ou agente de trânsito com bloco de multas na mão. O resultado disso a gente vê nos jornais e nos necrotérios. As pessoas estão se matando e continuam acreditando que nunca vai acontecer com elas. Tá, o Estado tem um bocado de responsabilidade nisso, concordo. Mas, não dá para botar a culpa só na falta de sinalização ou fiscalização; ora, o condutor legalmente habilitado é responsável não só pelo seu veículo, mas pelos veículos e pelas vidas ao seu redor. Vamos parar para pensar. O trânsito não é cada um faz o que quer. A autoridade não pode estar em todos os lugares. Qualquer veículo, hoje se transforma facilmente numa arma a provocar ferimentos, sequelas e mortes. Impossível escolher onde se dará o prejuízo, se no bolso ou na vida. Toda esta tragédia, toda esta sangueira deveriam servir para reflexão mais profunda e não só momentânea. Pode ser com você amanhã..., ou comigo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Já chegamos ao fundo ou não?


Eu já tinha prometido a mim mesmo que não comentaria mais nada sobre a “droga” de programação da TV aberta, mas o cronista nunca pode furtar-se ao momento, mesmo que seja um momento de estupidez massificada. Então, pois, é preciso comentar. O âncora do Jornal Nacional anunciou uma notícia “séria”: a polícia carioca investiga se houve ou não estupro na “casa mais vigiada do Brasil”. Ah, isso, sinceramente, não me interessa. Afinal, quem sai na chuva sabe que vai se molhar. Lógico, a violência, se houve, deve ser punida, não só o violentador, mas também a quem viu e tinha o dever de interrompê-la, como a produção do tal programa. O BBB então não é para isso? Faturar milhões, muitos milhões, incentivando a banalização do sexo, depois de uma farra regrada à droga (é sim, o álcool também é droga). Afinal, não é isso que desperta o interesse do público? A avidez desse público na busca da imagem de um “amasso”, do sexo oculto pelo edredom, ou como disse a “mocinha” supostamente violentada: “a mão naquilo e aquilo na mão”, é essa avidez que paga os milhões. Mas, a emissora não se preocupa se houve ou não a violência, a sua preocupação é manter os níveis de audiência que, com certeza, aumentaram os milhões do faturamento ganancioso. Já chegamos ao fundo ou não?

Interessa-me saber que neste país a cada hora uma mulher é estuprada e uma criança sofre abuso sexual (essa estatística criei agora, mas a realidade, talvez, seja pior). Enquanto os “brothers” se refestelam nas suas farras, as Delegacias da Infância e da Mulher continuam com suas deficiências de material humano e de infra-estrutura para a consecução do seu objetivo na segurança pública. A linha deste “show” é de incentivo ao sexo descompromissado, da coisificação do ser humano, do apelo à vaidade e ao corpo, de polemizar o que é desimportante. Nada que nos engrandeça como entes humanos. Quando este assunto ficar “chato”, outra “polêmica” vai aparecer para merecer “mais uma espiadinha”. A emissora que, propositalmente, deixo de citar para não dar mais audiência, ainda está a enfiar-nos pela goela o tal MMA, ao qual tenta dar caráter de esporte, onde dois homens rebaixados à condição de trogloditas, num ringue octogonal, esmurram-se, esmagam-se até o sangue brotar sem que o “árbitro” intervenha. Talvez, quando morrer alguém, quem sabe? Afinal, o povo gosta disso por que isso está aí? Ou isso está aí por que o povo gosta? Parece que a vida real não tem problemas suficientes. O que deve ser importante nas nossas vidas? O que é importante, afinal?

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...