quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nome aos bois



Chega! Alguém tem de pagar essa conta na justiça! Existem corpos em putrefação misturados à lama no meio das ruas extintas. Automóveis foram parar nos telhados das casas e a maioria das casas não existe mais. Hoje, quando escrevo esta crônica, temos em torno de 720 mortos, mas, pelo visto, o número vai chegar ao milhar. Muitos corpos jamais serão encontrados e milhares de pessoas vão penar sem abrigo certo por muito tempo. A enxurrada que varreu a região serrana do Rio é o tema de uma crônica de um desastre anunciado. No entanto, apesar da dimensão histórica, uma chuvarada assim só é desastre se tiver gente por perto. Os meteorologistas dizem que sempre foi assim, e não é só por causa do “aquecimento global”. Vivemos num país tropical (pelo visto, nem tão abençoado como se quer) e sempre estivemos expostos às intempéries. Mas, se sabemos que existem riscos, por que as pessoas constroem suas casas nas encostas, nos barrancos dos rios, enfim, em áreas de extremo perigo? De quem é a culpa, afinal? Bem, muita gente culpa a Deus, afinal, não foi Ele que fez a natureza como é? Outros culpam ao povo mesmo, pois, quem mandou querer morar em áreas de risco? Outros, ainda, querem culpar o Estado. Ora! Entendo que nenhum tribunal pode processar o Criador. Prerrogativas de quem tem endereço incerto e não sabido. Quanto ao povo..., bem, este já está cumprindo pena por sua imprevidência de morar onde não deve. Ah, tem o Estado! Mas, Estado, assim só, é um conceito muito vago e abstrato. E quanto se trata de responsabilidade penal, então, não se atinge ninguém. A Justiça (que também é Estado) deve colocar um fim nesta impunidade, dando nome aos bois, iniciando por responsabilizar as “excelências” que foram eleitas para reger e fiscalizar as municipalidades. Comecemos assim: quem autorizou as construções em áreas, notadamente, de risco? Se forem construções irregulares, quem não fiscalizou e não retirou os invasores (hoje vítimas)? É fácil andar de helicóptero, sem sujar os pés na lama, e prometer mundos e fundos aos desassistidos da sorte. Quero ver um prefeito com coragem (eu ia dizer outra coisa) para tomar decisões impopulares, as que não dão votos, mas que podem salvar vidas. Acho que não verei isso tão cedo. As desgraças ainda podem continuar, pois o verão não terminou. Mas, no ano que vem, pelo histórico, tem mais. E, com certeza, ninguém será punido.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Apoteose


Quase ao final do ano passado, em 29 de novembro, Mário Monicelli suicidou-se em Roma. Aos 95 anos, o cineasta, um dos “maestros” da comédia italiana, arrojou-se pela janela do Hospital San Giovanni, onde estava internado para tratamento de um câncer na próstata.

Apesar da obra vastíssima, a crítica internacional sempre o colocou num segundo plano, como um inferior a Fellini, Pasolini, Visconti, Bertolucci, Rosselini, Tornatore e até a Roberto Begnini. Uma tremenda injustiça. Desde 1935, quando lançou “I ragazzi della Via Paal”, com Alberto Mondadori, seu trabalho oscilou entre a comédia e o drama. Dirigiu com maestria os melhores da Itália: Vittorio Gassman, Cláudia Cardinale, Totó, Sophia Loren, Mastroianni, entre outros tantos.

Seu drama era sempre denso e a comédia, deliciosa. Para ele o riso do povo era uma arma letal. Deixou isso plasmado em 1971 em “A Mortadela”, com a ainda exuberante Sophia Loren, interpretando uma bela napolitana barrada no aeroporto de Nova Iorque por que tinha consigo uma mortadela gigantesca, presente para seu noivo; em 1992, com “Parente é Serpente”, com Tommaso Bianco, ele nos mostra o desinteresse das famílias pelos seus velhos e a superficialidade das relações de parentesco. Mas, sua melhor comédia é de 1966, com Vittorio Gassman, “L’Armata Brancaleone” (O incrível exército de Brancaleone), onde um pequeno grupo de vagabundos esfomeados, durante a Idade Média, parte numa aventura para tomar posse de umas terras no sul da Itália, entre encontros e desencontros, duelos bizarros, Monicelli nos dá uma demonstração de resistência tenaz dos pequenos, dos explorados e excluídos.

O seu melhor drama é de 1963 com Mastroianni, “I Compagni” (Os Companheiros), contando a emblemática luta de um intelectual desempregado, o professor Sinigaglia, na sua tentativa de organizar os trabalhadores de uma fábrica de Turim, no final do século XIX, quando a exploração do trabalho operário não encontrava nenhum limite. O filme proibido durante o período militar, representa o papel do intelectual engajado nos problemas de seu tempo e da sua sociedade, que entende que sua voz há de estar à serviço do povo, e não de interesses privados, mesmo que sejam dos gabinetes de governo, portanto, livre para criar como queira. A figura deste intelectual hoje está esvaziada, ele já não se insurge contra a corrente, pois sua arte é patrocinada pelo poder. Apesar de décadas passadas, o discurso é atual.

Monicelli fechou sua última cena num final apoteótico, da janela do quinto andar do hospital salta sobre o abismo que separa a náusea de uma existência medíocre do sentimento de ser realmente livre para viver as próprias escolhas. Só quem perde com sua partida somos nós, os cinéfilos.

Corta! Grazie, maestro, Monicelli!

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sobre virtudes e caráter



O assunto Ronaldinho Gaúcho no Grêmio, como quer sua Diretoria, é tema do passado. E deve mesmo ser assim. Não se pode valorizar demais as coisas que não trazem nenhum benefício para a sociedade. No entanto, fica do caso uma lição a ser melhor analisada.

Todos os homens trazem em si a capacidade de adquirir qualidades morais valiosas que os façam melhores na vida de relação tanto com os outros quanto com a sociedade em que se vive. A essas qualidades morais dá-se o nome de virtudes, coisas como: ética, urbanidade, caráter ilibado, lealdade, integridade; enfim, as virtudes de um homem de bem. Mas, se é fácil descrever as tais virtudes abstratamente, a complexidade das relações humanas, as exigências da vida, no cinismo deste século, superficiais e supérfluas, tornam a prática destas virtudes uma atitude muito difícil.

As virtudes só se aprendem se tivermos o exemplo delas na nossa formação. Ninguém aprende a cantar se nunca ouviu música. Mas, o pouco que se tenha adquirido precisa ser conservado. O homem de bem precisa ser vigilante consigo mesmo, sempre. O menor deslize pode arranhar sua imagem perante o mundo. Como diziam os romanos: “Não basta à mulher de César ser mulher de César, é preciso parecer mulher de César”. Um caráter ilibado, um bom nome, são coisas difíceis de conquistar, em compensação são muito fáceis de perder.

As instituições são sempre superiores aos homens que as servem, mas figuras públicas deveriam cuidar melhor de sua imagem, uma vez que sempre acabam por servir de modelo a alguém. Seja de um astro dos campos de futebol que não se dá ao respeito descumprindo a palavra empenhada, até um ex-presidente que trata a coisa pública como se privada fosse, brindado por autoridades subservientes com benesses do Estado, como férias em área restrita e documentos a que não fazem jus seus familiares. É sempre lastimável ver o ser humano buscando mais o “ter” antes de “ser”. O tesouro do homem está onde está seu coração. Aos irmãos Assis Moreira, pois, só se pode desejar dinheiro, todo o dinheiro que possam amealhar; e ao senhor ex-presidente, ainda no deslumbramento do poder, que tenha boas e longas férias.

E não se fala mais nisso, são coisas pequenas de gente pequena.

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