Anda, minha gente, desperta!
Olha ali, é a vida passando! Os sabiás já enchem os dias, desde cedo, na
madrugada, e o verão ainda nem é. Meu coração tem a pressa e a necessidade de
preencher os vazios, tem a ânsia de saltar para frente; talvez o corpo, já
ferido e doloroso, não responda como deve; ou talvez saltar ficou para trás com
o menino que fui. Mas, a alma, essa sim, ainda quer cantar com os sabiás, e eu
nem sabia. Olha, gente, tudo é irreal, até a angústia é impermanente. A
esperança está dispersa. A única verdade é juntá-la. A expectativa por tudo que
é bom e simples, por tudo que é belo. Os netos e seus avós; crianças rindo e
brincando, todas iguais, sem classe social; cheirinho de chiclete e livro novo;
a saudade do amigo distante; o romance que se quer lançar e se torce para que
dê certo; a chuva mansa que refresca os dias; ouvir a brisa boa que refresca as
tardes penteando a copa das árvores; ver quem lança mais longe, às cusparadas,
os caroços de melancia; escutar a Elis e o Tom, “... é pau é pedra, é o fim do caminho...”; mergulhar na alegria do
George, “Here comes the Sun...”, “My sweet lord, aleluia!”; dividir uma
garrafa de vinho com quem se ama, numa mesa de comida simples; conseguir o
acorde certo no instrumento que se toca; trazer em si a alma inquieta do
filósofo; soltar peão com o neto..., ufa! Mas, são tantos desencontros. Alguma
coisa está fora da ordem para a qual fomos criados. Como nos mutilamos, Deus,
ao longo da vida. E nos fechamos e não vemos que a vida passa.
A
dimensão de tudo agora é virtual. A culpa de tudo que dá errado é do “sistema”,
um ser amorfo, sem rosto, estúpido, pois erra sempre e em todos os lugares.
Ninguém mais é responsável por seus erros, continuamos todos adolescentes. Os
abraços são as palavras escritas, sem convicção, na rede social. Mas, o beijo e
o cheiro do outro continuam essenciais. Estamos ficando cegos e surdos
apressados, com os fones do celular enfiados nos ouvidos. Não queremos, mas nos
embrutecemos; não queremos, mas estamos virando coisas, números; espremidos nas
ruas cheias, já não vemos a beleza que passa, as crianças que choram, os velhos
perdidos, vagos, nem vemos a indigência sincera que precisa. Gel no cabelo,
paletó e gravata, podemos fazer tudo sozinhos. Arrogantes, orgulhosos, doentes
da alma que aos poucos se perde, nos arrastamos para a indiferença, para o
insensível. Desvalorizamos o humano e queremos mais “ter” do que “ser”. Quando
a tristeza bater, com o nome de “depressão”, tomara não seja tarde para buscar
qualquer coisa que faça sentido na vida.
Anda,
minha gente, desperta! “A vida é mais que
o alimento e o vestuário. Olhai as aves do céu; elas não semeiam, nem colhem,
contudo Deus as sustenta. Vós não sois mais que as aves? Não vos inquieteis
sobre o vosso vestuário. Olhai os lírios do campo, eles não tecem e não fiam,
no entanto, vos afirmo, que nem Salomão, em toda a sua glória, vestiu-se como
um deles. Se Deus vestiu assim a erva do campo, o que não fará por vós, homens
de pouca fé?” O verão ainda não é, mas as crianças e os pássaros já o
sentem, vivendo a simplicidade. Sem desesperança, sem mentiras.
Pensem
nisso.