terça-feira, 11 de setembro de 2007

Olha ao teu redor.


Minha avó materna era uma velha siciliana lamurienta que jamais demonstrava estar bem. Por melhor que estivesse, quando lhe perguntávamos: “Como vai, nona?”, ela respondia: “Cosi, cosi...” (Assim, assim...), ou então: “Oh, Dio mio, como sofro!”. Bem, não existe herança moral, ninguém herda virtudes ou defeitos, mas a convivência e o exemplo podem ajudar na formação do caráter dos jovens.
Deixem-me contar-lhes uma história minha: quando meu filho caçula tinha dois anos escorregou num tapetinho da cozinha e fraturou a perna, logo o fêmur. Sábado de carnaval, emergência lotada de bêbados feridos, gente baleada, esfaqueados, acidentados, etc. A criança, lógico, chorava, a mãe apreensiva e o pai, aqui, desolado! “ Por quê, meu Deus? Logo o meu filho? Ele é tão pequeno!” Pois o guri passou o carnaval no hospital fazendo a redução da fratura e a cirurgia necessárias. Minha mulher, firme, velava a seu lado. Eu, inspirado pelas gerações sicilianas que me antecederam, era um poço de revolta. “ Por que comigo, meu Deus?”, Ele poderia responder: “E por que não?”, mas Ele age de maneira sempre a ensinar.
Durante a madrugada de segunda-feira, eu estava mais azedo que nunca na sacada do corredor, quando um homem se aproximou e cumprimentou-me. Gentil, perguntou-me o porquê da minha estada naquele hospital. Contei-lhe sobre meu filho. Devo ter exagerado, porque o bom homem tentou confortar-me como pôde, dizendo –me que tivesse confiança, que tudo ficaria bem. Aliviado com a solidariedade alheia, despertei da minha falta de educação e perguntei-lhe o que fazia ali. Contou-me, então, que, a cada quinze dias, visitava sua filhinha internada já há dois anos. Espantado com o tempo de internação, fui com ele conhecer a menina. O que vi gelou-me a alma: uma criança bonita e serena, de uns oito anos, com o corpo coberto de escaras – umas feridas purulentas – e presa a um pulmão artificial – há dois anos!- A menina, talvez pressentindo a presença paterna, abriu os olhos, deu um sorriso débil para o homem e voltou a dormir. O pai tinha no rosto um sorriso triste, mas era um homem confiante. Silenciosamente, acariciava a cabeça da filha com os olhos marejados.
A minha pergunta: “ Por que, meu Deus?” tinha sido respondida por Ele naquela madrugada. Ao despedir-me, o homem ainda aconselhou-me a ter confiança, que meu filho iria caminhar sem problemas. Envergonhado e desconcertado, fui abraçar meu guri.
Isso aconteceu há dezoito anos. Daquela noite em diante tornou-se para mim quase impossível reclamar das dores desta vida, não que ainda não o faça às vezes. Pois, por pior que sejam os nossos dramas, sempre há uma dor maior a ser lamentada, basta, meu amigo, que olhes ao teu redor. Pode parecer piegas, mas..., cara, como ajuda, como conforta!
Não sei por que essa lembrança me veio agora, de qualquer modo terá valido a pena contá-la se algum dos meus leitores, passando por dificuldades, venha a sentir-se confortado, encher-se de coragem e saia à luta sem esperar comiseração. E mais..., ninguém agüenta gente lamurienta e cheia de auto-piedade. Portanto, vá à luta, meu!
Pensem nisso!



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