sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Para a cidade que me acolheu


Canoas já não passa

Canoas passava lentamente pela janela do meu ônibus. Travessia obrigatória para quem vinha do Vale: Colchões Trorion, Praça do Avião, Aeroclube, as casinhas brancas dos oficiais do QG da Aeronáutica, lá estavam os pontos de referência no meu caminho de Sapucaia até o trabalho de metalúrgico em Porto Alegre. Todos os dias, apenas um olhar de quem sempre passa e nunca fica. A mim parecia bucólica, embora apressada, convidativa, porém. Na bolsa, a marmita preparada pela mãe, com o carinho que só as mães têm; na cabeça, os sonhos de guri; nas mãos, sempre um livro, qualquer que fosse, leitura difícil sob os trancos e solavancos do ônibus sobre a rodovia de uma só pista: a “federal”. Depois o bairro Niterói, espraiado, com cinema na beira da “faixa” e, então, o rio Gravataí e Porto Alegre. Canoas novamente, só à noite, no retorno para casa.

“Quem sabe, um dia, ainda não vou morar por aqui? Numa daquelas casinhas brancas do QG?”. Pois é! Nosso único destino é traçar os próprios caminhos. Cresci, estudei, me fiz homem, estudei mais, ganhei o mundo trabalhando nas asas da Força Aérea, voltei depois de vinte anos. E não é que terminei por morar numa daquelas casinhas brancas? E só aí, então, descobri Canoas. Vibrante, crescente, operosa, fragmentada, dividida pela rodovia de trânsito alucinante, espremida pelos muros do trem, assustadora aos olhos que só vêem contornos. Mas, uma cidade como Canoas não é feita só da dureza do seu concreto. Ah, os parques! As praças! Os ipês, os jacarandás, as timbaúvas, os majestosos guapuruvus, com eles a vida passa mais devagar.

E as gentes daqui, então? Esse povo é o sal da terra, é o que dá gosto de aqui viver. Fui ficando, o lugar me aceitou, acabei igual entre iguais. Aqui conheci pessoas que fazem cultura em alto nível: escritores, poetas, artistas, atores, companheiros de letras e artes. Aqui plantei meus amigos, meus discos, meus livros e... algumas árvores. As raízes de tudo isso cresceram, fixaram-me neste solo. Meu neto nasceu aqui, o primeiro membro canoense da família. Canoas já não passa lentamente por mim, estou nela como ela está em mim. Uma simbiose de respeito e afeto que já ultrapassou a barreira do simples “morar”, Canoas e eu vivemos agora uma relação de “ficar”.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...