terça-feira, 27 de outubro de 2009

Condenados à liberdade.

O passado é imutável, inexorável, nada que se faça vai trazê-lo de volta ou mudar qualquer evento passado. No entanto, o passado não existe mais; passou, já era! E o futuro? Como será? Ora, quem é que vai saber? O futuro ainda não existe, está sendo construído agora. Previsão significa ver antecipadamente, mas não pode haver previsão porque posso construir, agora, um futuro diferente do previsível. Assim, existe só o presente, sempre, num ato contínuo de existir e realizar agora o que vai acontecer amanhã.

Não existe destino, nem predestinação, não existe fatalismo, nada está escrito nas estrelas; isso é desculpa de acomodados. O acomodado é aquele que diz: “Deixa assim, seja o que Deus quiser, não posso mudar nada mesmo, nada faz diferença”. Oh, imobilismo! Quem disse que Deus quer as coisas assim? “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Ora, somos seres dotados de livre-arbítrio, os acontecimentos das nossas vidas são fruto do exercício da nossa vontade, não por determinação de Deus, tampouco, são frutos do acaso. É sempre muito fácil colocar a culpa das minhas falhas como homem ou cidadão nas mãos do Criador. Daí é que nascem o conformismo, a preguiça, a letargia. O máximo dos sofismas: “Ué! Deixa que Deus resolva. Ele não sabe de tudo? Então por que não impediu que tal coisa acontecesse?” Simplesmente porque deixa a nossa vontade livre, para que haja mérito nas nossas vitórias. Estes conceitos teológicos têm de ser revistos. Pelo pouco que entendo de Deus, somos seus filhos e não marionetes. A história, pois, está em construção, logo posso interferir no meu futuro. Toda a miséria, a dor, a fome e o desespero de milhões de seres humanos sobre a face da Terra, não pode ser da vontade de Deus. Há de ser fruto do orgulho e da cobiça do próprio homem.

Jean-Paul Sartre disse que “... o homem está condenado à liberdade”. Essa condenação da qual o filósofo nos fala é: somos livres para agir, no entanto, somos responsáveis por tudo o que fizermos. Liberdade sem responsabilidade não é liberdade, é libertinagem. Temos, pois, a liberdade de escolhermos como vamos viver, mas se a semeadura é livre, a colheita é obrigatória. Nós construímos a estrada por onde vamos caminhar, somos os arquitetos da nossa felicidade e os culpados pela nossa danação. Não se vá botar a culpa em Deus por isso.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O que importa realmente?


Li, recentemente, num desses cadernos de saúde encartados num jornal, que a manutenção de uma rotina nos leva a uma melhor qualidade de vida. Certo! Tudo bem! É bom mesmo cumprir com as obrigações, quer profissionais ou sociais, mesmo que essas sejam rotineiras. Mas, quanto dessa rotina não fazemos uma mania e um hábito? Temos mesmo que fazer as coisas repetidamente todos os dias, por anos a fio? Qual a diferença entre o importante e o urgente? E se eu simplesmente nunca mais fizesse uma dessas coisas? Você aí, amigo leitor ou leitora, pode tirar uns dias de folga para não fazer nada, só para variar? Pode mesmo largar tudo para trás? Por que não faz isso, então? Medo de mudar, né? O que é, afinal, importante na sua vida? Ora, nossa educação sempre foi no sentido de estudar para sermos grandes homens, ter bons empregos, ganhar muito dinheiro, ser um político, talvez. Queremos mesmo isso? É esse o objetivo da sua vida? A sua meta, o seu sonho? É por isso que você sai da cama todos os dias? Dinheiro? Bom emprego? Jura que é isso? Ah, fala sério! Será que vale mesmo à pena? Você tem consciência do que está fazendo e do que realmente quer? Ou será que você faz o que faz porque não tem coragem para enfrentar um possível fracasso e por isso deixa de lado seus verdadeiros sonhos? Ah, o que os outros vão pensar, não é mesmo? O que importa realmente para você? Estar satisfeito com a vida ou parecer satisfeito na vida? Porque se for isso, amigo - só uma vida de aparências - pode esquecer os seus planos de felicidade. Porque só a verdade pode servir de base para uma vida plena e feliz. Seu sonho pode ser atravessar a América numa motocicleta ou salvar as baleias, quem sabe contar historinhas para crianças doentes, cuidar de velhinhos num asilo, montar uma biblioteca comunitária ou estudar geologia, veja só! – não sei de nada, o sonho é seu – mas sei que com a bunda colada numa cadeira de escritório ou na frente da televisão, você não vai realizar nada desse seu sonho aí. É preciso começar a trabalhar já no sentido de realizar algo que valha mesmo à pena, porque a velhice chega e aí pode ser tarde demais. Não que isso signifique abandonar o trabalho e o dinheiro, afinal, lembre-se do que dizem os especialistas: que a rotina faz bem à saúde (e ao bolso); mas, dê a si mesmo pequenos momentos de satisfação com aquilo que importa realmente na sua vida. Talvez você não consiga realizar o seu sonho, mas pelo menos tentou; e, no momento da tentativa, sua vida teve outro sabor, você teve o controle de si mesmo, fez aquilo que queria, decidiu seu caminho. Foi livre, afinal.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

La negra.



Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
En el valle, la montaña,
En la pampa y en el mar”.

Esses versos do Athaualpa Yupanqui, na voz macia de “la negra”, retumbam sempre no meu pensamento. Lembranças da juventude idealista, sonhadora talvez, vivenciando a platônica idéia de uma real fraternidade latino-americana. Mercedes Sosa morreu. Calou-se a voz da “cantante del pueblo” de fortes posições políticas. A música que era hino dos nossos sonhos está silente. O vento que embalava nossas bandeiras não sopra mais. Conheci Mercedes Sosa em 1976, através da música Volver a los 17, gravada em parceria com o Milton Nascimento, no álbum “Geraes”. Era um rasgo de felicidade ouvir “la negra”. Escutei, depois, sua voz ao lado de Dante Ledesma, Fagner, Caetano Veloso e entre outros mais. A poesia pungente, encantadora e engajada de Neruda, Yupanqui e Violeta Parra fazia a nossa cabeça juvenil dar voltas ao redor da América Latina, e com ela consertávamos aquele nosso mundo abaixo do Equador, sempre mergulhado nas estúpidas ditaduras. Ai, dura perda! Foram-se Elis, o Henfil, o maestro Tom Jobim, o Noel Guarany e, agora, a Mercedes. O Chico já não encanta, o Gil desistiu da política, o Caetano foi para o cinema. O que restou? A América do sul ficou mais pobre. As ditaduras se foram, é verdade, mas as esquerdas que assumiram ainda têm o ranço das ideologias ultrapassadas, com aquela velha vontade de perpetuação no poder. Nenhum Bolívar, nenhum San Martín, são dirigentes primários e lineares, são apenas populistas, sem a inteligência de um Vargas ou Péron, mas trocando favores do Estado pelo voto. “ La negra” cantou a alegria simples dos simples, cantou a saudade, o amor, o trabalho, a solidão, um mundo sem fronteiras e sem bandeiras. Os jornais estão errados, não morreu uma cantora argentina. Perdoem-me os hermanos, mas Mercedes Sosa era uma voz patrimônio de toda a América Latina. Quando chorou com as mães na Plaza de Mayo, acho que chorou por todas as mães em todas as praças do mundo. Obrigado, Mercedez, valeu à pena, Gracias à la vida!

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