sábado, 26 de julho de 2025

 






A Superstição.

Os homens iniciam por entender-se na vida ao nível da opinião e como desconhecem as verdades, completam as lacunas de seu entendimento com as ideias inferiores das crenças. Somente com grande esforço e luta ingente livra-se da simples opinião para elevar-se ao nível do conhecimento. Essa luta chama-se educação, esclarecimento, o que Kant chama de aufklärung (iluminação), que abre a mente do homem para realidades nunca imaginadas pela simples opinião.

         A distinção de Platão entre ciência e opinião podemos equivaler, atualmente, entre conhecimento e superstição. É reconhecimento geral que a ciência revelou-nos realidades maravilhosas e extraordinárias do mundo natural, e mais, levou o homem à Lua, a medicina erradicou doenças antes mortais, a tecnologia criou computadores que nos trouxeram à era digital e à inteligência artificial. Quase todos afirmam também que superstição é pouco mais que tolice. Também é senso comum que se uma afirmação tem fundamento científico, deve-se investir nela como uma crença, ao passo que se a afirmação baseia-se em superstição, não vale a pena tratá-la com seriedade. Onde não há concordância, porém, é saber o que constitui ciência e o que constitui superstição. Porque aquilo que algumas pessoas chamam de ciência, outras chamam de superstição tola.

       A superstição parece ter por causa e fundamento a ideia pequena que fazemos do mundo, mais ainda da vida de relação que somos obrigados a ter com os outros. A Sorte e o Azar são ecos da deusa Fortuna, que nos leva pelo campo da ignorância, no instante que percebemos a contingência do mundo e as muitas possibilidades que um simples dia pode carregar; simplificando, isso nos faz temer. “Que tragédias nos visitarão hoje?” Essa pura incerteza nos coloca numa gangorra: medo e esperança. Não nos enganemos, no entanto, que nem sempre esperança é boa e o medo é ruim. São apenas expectativa em relação ao que o futuro trará. Se a expectativa for de alegria, haverá esperança, se a promessa é de tristeza, será o medo. A contingência da vida pode fazer qualquer uma das coisas se concretizar, mas o resultado da expectativa pode desaguar no seu oposto. A expectativa de que a coisa boa aconteça pode efetivamente se realizar, o que pode nos levar ao medo de não haver a mesma “sorte” da próxima vez. Ou o medo pode se concretizar, então haverá a esperança de que o problema desapareça. Medo e esperança são as duas faces da mesma moeda, tantas vezes lançada.

       A superstição nasce do caos que domina o mundo dos desejos desmedidos, como força que domina. A Razão, perde seu lugar, logo ela que levaria as massas à liberdade. Os homens passam a acreditar que objetos, tidos como sagrados, trazem sorte a quem os carrega; que a palma da mão indica presságios; que os planetas influenciam suas vidas, suas ações e suas personalidades. Queimar feiticeiras era plenamente aceitável, mas dar três batidinhas na madeira é superstição inocente. A realidade das coisas continua despercebida e questionada como se fosse uma mentira.

 

           


sexta-feira, 11 de julho de 2025

 




O rebanho.


Por meio das socializações, da vida de relação, os indivíduos aprendem noções de moralidade: bem, mal, certo, errado, justo, injusto. Esses valores, quando introjetados como verdades absolutas, sem passar pelo escrutínio da razão, impactam a individualidade e a autonomia dos sujeitos. A verdade e a mentira são construções que decorrem da vida no rebanho e da linguagem que lhe corresponde.”, é o que afirma Nietzsche. A ideia de moral para o homem do rebanho é chamar verdade aquilo que permite que ele permaneça no rebanho e chama de mentira o que pode ameaçar sua posição ou até excluí-lo do rebanho. Normalmente aquilo considerado pernicioso é o que vem ou está fora do rebanho. A moral evangélica do “amor ao próximo” estará sempre distante, pois na verdade o rebanho vive do “medo ao próximo”. E vangloria-se e alimenta-se desse temor. Logo, a verdade é a verdade do rebanho. Mesmo que essa verdade não seja a verdade, porque a verdade não importa, o que importa é como a massa entende a verdade.

O rebanho protege, mas também aprisiona. O rebanho, como um corpo único, tem horror àquele que pensa individualmente, por si mesmo. Pois este é o subversivo, é o perigoso carneiro rebelde que aspira tornar-se, senão lobo, igual ao lobo, ávido por tornar-se livre, senhor dos seus pensamentos, responsável por seus atos. O rebanho é lugar dos medíocres. Todo rebanho precisa de seu pastor ou cão guia; sem ele, o que pensar? O que fazer? O rebanho é dominado e conduzido por uma moral que, para prevalecer, para ser dominante, precisa que os indivíduos sejam todos iguais e não se diferenciem.

Essa moral de rebanho é sempre criada por uma ideologia institucional. A religião é uma fonte inventada para fornecer uma ideologia institucional. Imposta à sociedade como forma de verdade uma grande mentira: “Fora da religião não há salvação.” O objetivo é impor-se à sociedade com ganas de domínio cultural, político e econômico. A sociedade apenas obedece mansamente. Como o rebanho no pasto, em que o pastor é o algoz.

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