sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Para a cidade que me acolheu


Canoas já não passa

Canoas passava lentamente pela janela do meu ônibus. Travessia obrigatória para quem vinha do Vale: Colchões Trorion, Praça do Avião, Aeroclube, as casinhas brancas dos oficiais do QG da Aeronáutica, lá estavam os pontos de referência no meu caminho de Sapucaia até o trabalho de metalúrgico em Porto Alegre. Todos os dias, apenas um olhar de quem sempre passa e nunca fica. A mim parecia bucólica, embora apressada, convidativa, porém. Na bolsa, a marmita preparada pela mãe, com o carinho que só as mães têm; na cabeça, os sonhos de guri; nas mãos, sempre um livro, qualquer que fosse, leitura difícil sob os trancos e solavancos do ônibus sobre a rodovia de uma só pista: a “federal”. Depois o bairro Niterói, espraiado, com cinema na beira da “faixa” e, então, o rio Gravataí e Porto Alegre. Canoas novamente, só à noite, no retorno para casa.

“Quem sabe, um dia, ainda não vou morar por aqui? Numa daquelas casinhas brancas do QG?”. Pois é! Nosso único destino é traçar os próprios caminhos. Cresci, estudei, me fiz homem, estudei mais, ganhei o mundo trabalhando nas asas da Força Aérea, voltei depois de vinte anos. E não é que terminei por morar numa daquelas casinhas brancas? E só aí, então, descobri Canoas. Vibrante, crescente, operosa, fragmentada, dividida pela rodovia de trânsito alucinante, espremida pelos muros do trem, assustadora aos olhos que só vêem contornos. Mas, uma cidade como Canoas não é feita só da dureza do seu concreto. Ah, os parques! As praças! Os ipês, os jacarandás, as timbaúvas, os majestosos guapuruvus, com eles a vida passa mais devagar.

E as gentes daqui, então? Esse povo é o sal da terra, é o que dá gosto de aqui viver. Fui ficando, o lugar me aceitou, acabei igual entre iguais. Aqui conheci pessoas que fazem cultura em alto nível: escritores, poetas, artistas, atores, companheiros de letras e artes. Aqui plantei meus amigos, meus discos, meus livros e... algumas árvores. As raízes de tudo isso cresceram, fixaram-me neste solo. Meu neto nasceu aqui, o primeiro membro canoense da família. Canoas já não passa lentamente por mim, estou nela como ela está em mim. Uma simbiose de respeito e afeto que já ultrapassou a barreira do simples “morar”, Canoas e eu vivemos agora uma relação de “ficar”.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nós, os medíocres


Que ninguém se ofenda ao ser chamado de medíocre. Ordinário, mediano, comum, sem relevo, é isso o que significa medíocre. Não é aquilo que está abaixo da média, mas aquilo que não atinge um “status” melhor. O mundo inteiro é habitado, na grande maioria, por medíocres. Abaixo dessa média já é a área de atuação dos idiotas, dos imbecis, dos parvos, dos “bobos de aldeia”. De vez em quando, Deus, penalizado com a nossa mediocridade, manda-nos uns e outros bem acima da média. Alguns iluminados como Beethoven, Mozart, Da Vinci, Lutero, Descartes, Allan Kardec, Spinoza, Florence Nightingale, Machado de Assis, Chico Xavier, Victor Hugo, Einstein, Madre Tereza, Pelé, Elis Regina, Elvis, e por aí vai entre outros tantos admiráveis. Homens e mulheres que romperam com genialidade a barreira do medíocre e ficaram entre os melhores naquilo que faziam. Tornaram-se um padrão de excelência, acima de todos os outros, longe do lugar comum. Ah, ah, você percebeu, não é? A não inclusão de políticos na lista acima é proposital.

Pois é! Nós somos medíocres. Vivemos mergulhados na mediocridade. E como medíocres, nossas escolhas hão de ser também medíocres. Por que, então, tanto espanto com a eleição do Tiririca? Não dizem que a índole do brasileiro é ser “alegre, informal e sacana”? Pois aí está! E por que não o Tiririca? Se já tivemos o exótico Juruna, o Agnaldo Timóteo, o Clodovil, todos sempre tão mal vistos. O que faz dele, o Tiririca, um sujeito pior que outros semianalfabetos já eleitos? Ora, Tiririca é um palhaço, e como tal, se é que os palhaços ainda são assim, há de ter a sensibilidade para comover-se com as necessidades do povo. Não temos saúde, nem segurança, muito menos educação, que é o que salvaria tudo. E estamos aí a discutir os “royalties” do pré-sal. Ora, façaofavor, o povo não sabe o que é pré-sal, que se dirá de “royalties”. Vocês perceberam a mediocridade da campanha eleitoral para presidente? Tudo tão rasteiro como briga na feira. Todos tão iguais, todos são tão “bons”, todos lutaram contra a ditadura, todos fizeram “isso e aquilo”, são tão “religiosos”. Mas, acabam discutindo se foi “bolinha de papel” ou não o que “agrediu” um candidato... Tudo tão vazio. É isso que merecemos. Nós é que temos de crescer, sair da mediocridade, deixar de ser provincianos admiradores e idólatras dos que nem são tão bons e melhores. Lembrem-se, quem faz a nação não são os políticos, somos nós.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Ovo da Serpente


O título deste artigo tomei de empréstimo do excelente filme de Ingmar Bergman que trata do horror da alvorada nazista ainda na República de Weimar. Trata-se de uma metáfora sobre a origem do mal que se vai instalando no tecido social. Conhece-se a origem, mas nada se faz para extirpá-lo, como esmagar o ovo antes que a serpente nasça. Assim a violência cresce ao nosso redor, atinge um nível de quase epidemia com absurdos índices de mortalidade. E nós? Estamos aí, vivendo a pasmaceira do egoísmo que nada vê ao seu redor, a não ser que a coisa seja conosco mesmos. Somente quando a violência atinge elevados índices de audiência na mídia, com casos pontuais de gente famosa, conseguimos dizer um “Oh! Que absurdo...!”, mas assim mesmo sem muita convicção. Isso porque convivemos com a violência e, insensíveis, não a percebemos mais. Não falo em crimes graves como assaltos e mortes e venda de drogas; aceitamos pacatamente as transgressões no trânsito; as agressões dentro das famílias; as atitudes anti-sociais dos que não respeitam filas em banco, em órgãos públicos, nos transportes coletivos; na exposição da infância à pornografia liberada, e à mostra, nas bancas de revista; daí se passa para o abuso sexual, violência psicológica e por aí vai. A causa dessa ruptura no tecido social não está só na impunidade, na falta de segurança pública, no desenvolvimento econômico precário ou na má distribuição de renda. Porque a causa determinante é intrínseca, está no comportamento do indivíduo.

É na formação da personalidade do homem, lá na tenra infância, onde está a violência “ab initio”, o ovo da serpente. Numa família desestruturada, pais que não assumem a postura de educadores, que não têm coragem de dizer “não” para combater as más tendências, estão moldando o transgressor de amanhã. Não se pode combater a violência somente com ações punitivas e repressivas como o aumento de efetivos policiais, a construção de presídios, desarmamento, diminuição das desigualdades ou reforma do judiciário. São necessárias ações preventivas, do engajamento da sociedade como um todo, dos pais, familiares, professores, governantes, das religiões; ora, que todos se façam presentes na educação e formação das crianças, mostrando-lhes o caminho da civilidade, da urbanidade, da alteridade e do respeito ao próximo. Sem isso, ainda vamos chorar por muitos anos por um mundo melhor, porque este em que vivemos ainda vai piorar muito. Pensem nisso.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ô terrinha boa!


Para quem não sabe, nos EUA não existe atendimento público de saúde gratuito e nem ambulância do governo para buscar doentes em casa. Lá não tem SUS. Pobre ou rico, o sujeito tem de ter plano de saúde, normalmente ligado à empresa em que trabalha. A saúde não é socializada. Desempregados, imigrantes ilegais, mendigos, estão todos ferrados. Para saber mais recomendo o filme “Sicko” (S.O.S. Saúde) do Michael Moore.

Lógico, entre Brasil e EUA as realidades são muito distintas. Lá, a infra-estrutura funciona, a justiça funciona, a polícia não dá moleza, mas a saúde é uma droga. O grande irmão do Norte não quebra-galho, não tem “cesta” nenhuma, lá o estado não te dá nada. É capitalismo doído mesmo, selvagem. Já no Brasil... Ô terrinha boa! Não há melhor lugar para se viver. É sério! Ainda que deficiente, o governo é esse “paizão” cuidando do cidadão e de graça. Se uma cidadã não quiser engravidar, até a camisinha é grátis. Não usou preservativo? Pílula do dia seguinte. Ah, vai querer o filho? Auxílio-maternidade, pré-natal e enxoval. Quem vai sustentar esse menino? Bolsa-família. O jovem não tem profissão? Estágio remunerado ou Soldado-cidadão. Vai continuar estudando? Bolsa universitária e sistema de cotas. Cometeu um crime, está preso? (é pobre, por que rico não sabe o que é cadeia no Brasil) Tem o Auxílio-reclusão. Não tem onde morar? “Minha casa, minha vida”. Tá doente? Bem ou mal tem o SUS, tem o SAMU, tem vacinação para todo mundo. Ah, vai morrer? Não esquenta, o caixão é de graça.

Pois é, o sujeito tem de ser completamente abandonado ou muito vadio para morrer de fome neste país. E ainda tem gente que sofre o diabo para ir viver no exterior. Sujeitando-se a entrar clandestino, tratado como “la cucaracha”, arriscando-se a ser morto como terrorista. Tirando os sapatos para entrar legalmente, sendo farejado por cachorros nos aeroportos, e isso depois de implorar o visto de entrada. Aqui o sujeito é profissional formado, lá é lavador de pratos. Por que sair daqui? Se juntarmos todas as cestas e vales assistencialistas do Brasil, uma família pode muito bem viver sem que seus membros preocupem-se em trabalhar ou estudar para se qualificar. Chamam a isso: “diminuição das diferenças sociais”. Com certeza há quem realmente não tenha condições de deixar a miséria por meios próprios, mas para esses deve haver assistência social e não assistencialismo.

Eu ouvi Luiz Gonzaga cantar: “Ô, dotô, uma esmola para um pobre que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão!”

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O que nos falta? Educação!


Sempre que não temos capacidade de educar, orientar, ensinar ou mesmo de construir, nós proibimos. Proibir é legalizar o poder e a força, e também é um atestado de incompetência para o diálogo. Lembro-me do final dos anos 60, quando o movimento da Tropicália disparou contra o regime militar: “É proibido proibir!”. As proibições continuaram com o AI-5 por que o regime tinha a força e a proibição era a exibição do seu poder. A Tropicália escafedeu-se e foi ser cantada na Europa. Agora surge esse projeto de lei visando proibir os pais de surrar os filhos. O presidente Lula não quer as palmadas. Absolutamente concordo com ele, uma criança nunca deve ser agredida. Pais que batem nos filhos não sabem educar, talvez até por que também não foram educados. Mas, não aceito a proibição como método educacional. Educar não é proibir. O Estado não pode interferir na forma de os pais educarem seus filhos. Acredito existirem coisas mais importantes a serem discutidas no Congresso. Mas, de qualquer forma, trazer este assunto à discussão já foi uma vantagem.

Sempre que me perguntarem o que essencialmente nos falta, responderei: Educação! Neste caso, de pais e filhos, por exemplo, quem educa, orienta e não dirige, não proíbe, não bate, nem uma palmadinha de leve, essas “de amor”, como costumam dizer, por que dói do mesmo jeito e, na maioria das vezes, dói na alma. Às vezes, eu sei, dá vontade mesmo de chegar um beliscão numa criança birrenta. Mas, quem é o adulto na relação? Quem pode mais? Castigar sim, se houver necessidade. Mas, sempre, uma boa conversa séria faz a criança pensar, entender o que é responsabilidade por seus atos. Ai, ai! Ainda lembro-me das conversas do meu pai... Uma boa conversa deixa marcas mais profundas que uma surra, prepara a criança para o mundo adulto. Por que o mundo sim, esse não conversa, parte logo para a cobrança mais dolorosa. E pobre daquele que não foi preparado para o mundo. Pais e mães não podem ser vistos como brutamontes, sempre aos gritos e palavrões. Para uma criança os pais são sempre modelo de virtude e sabedoria, portanto, cuidado com o exemplo que se dá.

Uma lei proibindo a correção física paterna, no entanto, acho letra morta. É preciso educar e orientar o adulto para que ele saiba, com responsabilidade, orientar sua família. Como se faz isso? Não sei. Talvez educando a sociedade, talvez discutindo temas como este. Mas, sei que tudo começa na infância. Educação para as crianças sempre! Pensem nisso!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Votar ou não votar? Eis a questão!

Tempo houve em que me afligi questionando a nossa jovem e incipiente democracia. Tantas são mudanças anuais na legislação, como desta vez a questão da Ficha Limpa, que poucos sabem o que “pode ou não pode”. É típico de quem vai “aprendendo à medida que vai fazendo”. Quantos escândalos, quantos erros, quanta gente medíocre e corrupta tão mal escolhida! Refletindo melhor, no entanto, se tudo que é novo carece tempo para madurar, por que não a democracia no Brasil? Acho que começo a ser mais tolerante.

Na faina diária do escritor, na busca pelo tema para a crônica, entre um e outro jornal, encontrei certa recente pesquisa do Datafolha sobre a corrida presidencial mostrando que 54% dos eleitores brasileiros, entre 2.600 entrevistados, em 144 cidades do país, ainda não sabem em quem votar. De fato, em cada eleição o desinteresse do eleitor parece aumentar e a maioria comparece às urnas apenas por causa da obrigatoriedade do voto. Votam pela imposição da lei e não por consciência cívica. Mas, o que esperar se é nauseante assistir a enxurrada de casos de corrupção. Votar ou não votar? Eis a questão!

O voto nulo é protesto, o voto em branco é: “tô nem aí”. Quem anula o voto está dizendo que nenhum candidato é digno de representá-lo; já o voto em branco é o coroamento do desinteresse e, talvez, o mais grave reflexo deste desinteresse. Mas, para quem pensa que se todos votarem nulo anula-se a eleição, podem esquecer. Votos nulos e brancos, apesar de legais, são apenas protesto. A explicação vem do ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Melo: o voto nulo acaba elegendo o político rejeitado, pois, quanto menor for o número de votos válidos, menos votos vai precisar um político tradicional e indesejável para ficar no cargo que já ocupa. Esclarece, ainda, o ministro que, de fato, a lei fala sobre novo pleito quando “a nulidade atingir a mais da metade dos votos no país”. Mas, essa “nulidade” se refere aos votos anulados por fraude, como a violação de urnas, entre outras razões, e não aos votos nulos do eleitor. Segundo o ministro, na eleição presidencial, por exemplo, pela Constituição, no artigo 77, “Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos”. Ora, se não se computam os brancos e nulos, só restam os válidos, sem importar sua quantidade. Então, caro leitor ou leitora, se você não votar em alguém, estará aumentando a margem dos votos válidos para a vitória de quem você não quer ver eleito.

É certo que votar nulo ou branco é direito do eleitor. Se não gostar de ninguém não vote e pronto. Mas, tenho certeza de que existem homens e mulheres de bem, merecedores de voto e de confiança. Só é preciso garimpar.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Saber ouvir

Saber ouvir é uma arte, mas não dessas que se nasce sabendo, com o dom dentro de si, é sim uma arte de se desenvolver através do tempo, maturando na personalidade à medida que se cresce. E esse “crescer” também nada tem a ver com tamanho ou idade, é o amadurecimento, é o tornar-se adulto, para o quê não há idade certa. Tem adulto de 15 anos e adolescente de 50, depende do que se viveu e sentiu; depende do quanto se é responsável. Amadurecer, pois, não é ciência exata. Para saber ouvir é preciso saber calar, silenciar o pensamento. Deixar de lado as afoitezas da vida. Sem pressa, mas também sem vagareza demais. É isolar-se no silêncio para ouvir melhor os sons que nunca se ouviu. É voltar a prestar a atenção aos sons que esquecemos de ouvir. A chuva caindo no telhado, o vento nas árvores, o silêncio da hora morta da tarde, os grilos no fundo da noite. Sons para os quais a cidade grande e o nosso correr pela vida nos fizeram surdos. E o mais importante, talvez, que não sabemos ouvir: o que outras pessoas têm a dizer.

Nossa incapacidade de ouvir o outro é a manifestação mais evidente das nossas prepotência, arrogância e vaidade. Sempre que alguém fala algo, nós não ouvimos, pois temos pressa em acrescentar aquilo que queremos dizer. Como se tudo o que dissermos seja melhor do que diz o outro. Por quê? Ora, por que o assunto dos outros é sempre sem graça. Por que poucos de nós conseguem ver alguma coisa além do próprio umbigo. A arrogância é uma máscara da inferioridade. Quem é verdadeiramente superior não é arrogante.

Quando se estiver ouvindo alguém, não se deve interrompê-lo, ou completar a sua frase, isso não é educado. Quem sabe aquele que nos fala só precise desabafar, contar alguma coisa para alguém? Ouvir, muitas vezes, é emprestar o ombro a um amigo, é consolar sem precisar dizer uma palavra. É preciso entender o paradoxo: um diálogo que é um monólogo. Basta estar ali, de ouvidos abertos, de alma desarmada e com vontade de ajudar. Nem sempre é preciso dar alguma coisa para se fazer a caridade, saber ouvir, consolando, pode ser ato de misericórdia e compaixão. Além de demonstrar educação. Pensem nisso.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago já não está mais


José Saramago, morres, então?

Quem agora haverá de trazer lucidez à minha cegueira?

Tu me disseste um dia (ou teria sido numa noite de leituras?): “A morte é simplesmente a diferença entre o estar aqui e já não mais estar”. Neste ponto discordamos, amigo português, há muito mais no homem que o simples produto dos humores combinados a nervos, carnes, ossos e tendões. Sobra a nós (e em nós) a inteligência, perene e individual, à qual os dedos de ossinhos finos da “sra. Ceifadora” não consegue atingir. Ah, tu te ris, ó gajo? Acreditas que tenho anseios de eternidade? Saibas que não sou seguidor de nenhuma pueril agremiação de cunho religioso. Mas, queria bem ver tua cara agora, aí, deste outro lado, desperto e consciente. Estás morto, é verdade, mas eu falo contigo. Como pode ser? Ora, não te ris mais? Vem, te explico: tua inteligência está plasmada em tudo que escreveste neste mundo, e isso não morrerá jamais. Anda, usa da lucidez que me destes para entenderes que, agora sim, com tua morte, serás imortal e eterno.

Venceste a cegueira, enfim.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Adolescência, os pais e o “bullying”


Era muito comum, no meu tempo de guri, na escola, alguém “tirar sarro de alguém”, “pegar para courinho”, “pegar alguém de gozação”. A diferença é que agora é em inglês, o “bullying”, e a coisa tomou notoriedade. Resolvia-se, mais ou menos, como hoje: aos socos. Ou seja, é um tipo de violência que sempre existiu, parece uma necessidade de afirmação ou faz parte da formação do indivíduo para a vida em sociedade: “mostrar ao mundo que sou valente”. É lastimável, é claro! Ainda mais agora, que a valentia de “sair na mão” foi trocada pela arma de fogo. Triste, mas é assim que é. Dificilmente alguém escapa de uma gozação dolorosa dentro de uma escola. O gordo é “bolão”, “baleia”. O muito branco é a “barata branca”. O negro é o “crioulo”, “neguinho”. As meninas, além dos demais adjetivos acima, ainda podem ser a “piranha”. O menino mais tímido é a “bichinha”. Muita gente superou essas ofensas e seguiram suas vidas, prósperas e felizes. Outros resolveram com os punhos e superaram também. Outros, no entanto, nunca superaram, mas o certo é que todos ficaram marcados para sempre, e penso que tanto o agredido quanto o agressor. Mas, afinal, por que somos assim tão cruéis? Oh, sim, até as crianças são cruéis!

Tudo passa pela formação da individualidade, pelo autoconhecimento. Conhecer quem sou “eu” depende de observar o “outro” e estabelecer as diferenças. Não falo em respeitar às diferenças, isso já é um segundo momento, quando existe maturidade do ser, e maturidade não tem nada a ver com a idade; falo em perceber que somos diferentes, portanto, aparentemente, não somos iguais. Ora, somos tão diferentes que, ao final, acabamos iguais nas diferenças. Parece “enrolado”, mas não é. Uma criança, por exemplo, aos poucos aprende a diferenciar-se da mãe, percebendo que não é um pedaço ou extensão dela, mas é outro ser individual. Percebe-se melhor essa formação do “eu” na adolescência, a terrível fase das transformações. O jovem se põe num combate feroz contra os próprios impulsos: amar ou odiar? Morrer de vergonha e, às vezes, não ter pudor algum; copiar seu ídolo em tudo, enquanto busca sua própria identidade. A explosão hormonal que acarreta a perda do corpo infantil com a mudança para o adulto que ainda não é. Ser auto-suficiente e, ao mesmo tempo, ser confuso sobre as decisões a tomar. To be or not to be”, ser ou não ser. A casa é o refúgio seguro, mas há o conflito de gerações; a escola é a rua, a vida lá fora, onde se convive com os iguais, e os iguais são produto de consumo, os desiguais são objeto de escárnio. Fora da família, a escola é o primeiro ambiente social da criança. Ali, uns são tímidos, outros desinibidos a ponto de serem os “donos do mundo”. Os tímidos vão sofrer.

Que fazer com os agressores, então? Com os que não conhecem o limite para bem viver em sociedade? Punir? Sim, sempre! Qual punição? Não me atrevo a designar as necessidades da educação de filhos que não são meus. Os pais são os responsáveis? Sempre! Lembremo-nos de que escola não educa, dá instrução. Professora não é “tia”. Educação é responsabilidade paterna. Cabe à escola a fiscalização e a punição administrativa, incluindo aí, o encaminhamento à autoridade policial, se for o caso. Os pais que apontam desídia da escola em fiscalizar, podem estar certos, mas, em relação à correção dos filhos infratores, fogem da responsabilidade. Não é a escola, não é a polícia, não é a “tia” professora quem educa meus filhos, sou eu.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O que é ser elegante?

Um amigo cumprimentou-me dizendo que eu estava elegante feito um “lord” cubano. Bem, quem me conhece sabe que sempre uso chapéu, e aprecio mesmo um bom charuto da ilha de Fidel. Mas, será que isso faz de mim um sujeito elegante? Costumam serem chamadas de elegantes as pessoas que tratam bem da sua aparência: unhas limpas e cortadas, cabelos bem tratados (no caso dos homens, também uma barba bem feita), vestir-se com esmero, com roupas limpas e asseadas. Se essa pessoa tiver condições econômicas para roupas mais caras, com melhor corte, a elegância evidencia-se. Ora, existem até cursos e escolas onde se ensinam como vestir-se, o que vestir em qual ocasião, regras de etiqueta, etc. Mas, o fundamental, e cada vez mais ausente, é a elegância no comportamento. Pois, o comportamento elegante e gentil está além do aprendizado, da instrução, do saber usar o talher correto, ou qual a meia que combine com o sapato. É uma questão de educação e vai além do dizer “obrigado”, o que já seria uma grande coisa nos nossos dias. A verdadeira elegância manifesta-se sempre, em qualquer momento, não somente nas poses para as colunas sociais. O verdadeiro elegante nem ao menos precisa estar vestido com a roupa da moda ou com “isto” combinando com “aquilo”.

É elegante o que escuta mais do que fala; que nunca passa adiante uma fofoca maledicente; que, mesmo sendo hierarquicamente superior ou esteja investido de algum poder, nunca é arrogante ou prepotente. O verdadeiro elegante é sempre cordial, tem um aperto de mão firme, olho no olho com sinceridade; é sempre pontual em seus compromissos, cumpre o que promete e dentro do prazo estipulado; é aquele que é sempre sincero sem ser rude, tem gestos de carinho e gentileza, sem esperar retribuição. É solidário e gentil silenciosamente e sem afetação. Quando alcança vitória, alegra-se sem se vangloriar; quando perdoa, não tem segundas intenções, não impõe regras ao perdão; quando faz caridade, não faz alarde.

Ser elegante, enfim, é algo que se é, e não que se tem. Está muito além da etiqueta, é um comportamento onde os gestos são educados e naturais e nunca decorados ou ensaiados. O elegante não é falso, pois elegância está no caráter. E caráter não se dissimula. Ao menos, não sempre.

sábado, 27 de março de 2010

Pão e Circo



Escrevo agora sobre o leite derramado, depois do jogo com cartas marcadas. O tribunal do júri do casal Nardoni, antes mesmo de começar, fazia dos dois a carne queimada da Inquisição. São culpados? Talvez sim. Eu, pelo menos, acredito que sim. O próprio promotor, Francisco Cembranelli, se disse em dúvidas, mas disse isso após o julgamento, é claro! Não existem provas, mas sim evidências. Porém, o clamor do povo foi tanto que jamais os dois escapariam da condenação, sob pena da cidade de São Paulo, ver-se às voltas com uma revolta popular. Particularmente, não tenho o menor interesse no destino dos Nardoni, se ficarão presos por vinte, trinta, quarenta anos, se vão apodrecer na cadeia, a mim pouco se me dá. Não quero avaliar o crime ou o julgamento. O que me impressiona é a violência, a fúria, a ignorância da turba, a grande massa manobrada pela imprensa. A imprensa “marrom”, que se delicia com crimes de morte, por que, afinal, tem assunto para vender jornal ou para audiência na TV. São os hipócritas que expõem e exploram a miséria humana, o sofrimento das famílias enlutadas e a memória de uma infeliz criança, morta por quem deveria lhe dar amor, educação e carinho. O desrespeito continua por semanas, meses, anos a fio, e a criança é repetidamente morta para a platéia, entre um terremoto e outro, entre um escândalo político e outro. E cada um do povo, cansado de ver triunfar a injustiça, a prepotência e a impunidade, vê a si próprio sendo vingado na figura da criança morta ou nos avós sofridos. Ninguém quer justiça, o que querem é o linchamento em praça pública, é a execução sumária dos réus. Olho por olho, dente por dente. E já!

Não se iludam, nós não somos um povo ordeiro e pacífico, somos a mesma plebe que os Césares, em Roma, aprenderam a controlar dando-lhe comida e o divertimento do circo de gladiadores. Panen et Circencis. Pão e Circo. Nosso pão, hoje, são os “vales” isso e aquilo, as “bolsas” disso e daquilo; o nosso circo aí está: na novela de sempre, com o mesmo e batido enredo, na “casa mais vigiada do Brasil” e que não acrescenta nada de bom nas nossas vidas e no sensacionalismo barato (quanto mais sangue melhor) com que a imprensa sobrevive. Em breve, teremos eleições. Não temos infraestrura, não temos saúde pública, não temos educação, não temos segurança, mas a diversão está garantida.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Vida antes da morte


A filosofia sempre questionou a possibilidade de haver vida após a morte. As religiões sempre deram ênfase ao continuar da consciência após a morte do corpo físico. Há, ainda, aquelas que dizem que esse corpo, mesmo perecido, vai voltar a animar-se no Juízo Final. Assim mesmo a maioria das pessoas tem medo da morte. O que não deixa de ser cômico, senão trágico, afinal a única certeza que temos nesta vida é que vamos todos morrer. Mas, o que impressiona é que cresce o número de pessoas que têm medo da vida ou, ao menos, enfrentar as vicissitudes da vida. Uma gente que não se anima com nada, sem planos, sem objetivos, só com a cabeça cheia de sonhos, mas que não se agitam na construção da realidade. Há, ainda, os que não conseguem lidar com sua própria vida e acabam por suicidar-se. E, nesse gesto tresloucado, acreditem, não há coragem para enfrentar a morte ou covardia para enfrentar a vida, há apenas desesperança. Mas, a maioria vive apenas uma morte em vida. Uma gente que não busca ânimo em nada, é um viver sem contentamento, sem esperança, sem sentido. É gente que já se decepcionou muito, ou está frustrado com o que conquistou na vida. Ou que trabalhou a vida toda e agora não sabe o que fazer na aposentadoria. Casais que querem casamentos perfeitos, que criaram falsas expectativas com relação ao outro e, como casamentos perfeitos não existem, é fatal a frustração. É gente que espera perfeição demais das religiões e dos religiosos, mas como não existem nem homens nem instituições perfeitas, acabam caindo num materialismo pernicioso. A plenitude da vida, pois, está no inverso. Está em reconhecer suas próprias limitações e as dos outros. É buscar razão para continuar vivo, seja através da elaboração de objetivos para si, ou trabalhando para o próximo (e sem remuneração, isso sim dá sabor à vida). É nunca depositar confiança cega nos homens e nas suas religiões-instituições, ao contrário, busque em si um sentimento de religiosidade que o aproxime de Deus, isso é um sentimento inato, não se aprende em nenhuma cartilha e não necessita de práticas exteriores. Viver plenamente é não fugir da vida e das responsabilidades que ela nos cobra. É entender que o casamento é parceria, com lealdade e fidelidade, e nunca pode ser um jogo de interesses ou a futilidade da “carinha” bonita. É esquecer, um pouco ao menos, do possuir e pensar mais no construir. Fazer a paz consigo e com a humanidade, enfrentar a vida com seus altos e baixos, conhecer a si mesmo, é assim que se constrói uma boa vida antes da morte.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A Alegria na Música



Sempre gostei de música. Gosto de música desde que ela seja realmente música, quero dizer: com músicos e instrumentos musicais. Não gosto desse bate-estaca eletrônico, sem musicalidade, sem poesia; e, gosto menos ainda, dessa pornografia sonorizada das “cachorras” e das “eguinhas”. Como para todo mundo, há músicas que marcaram minha infância e adolescência. Você, por acaso, conhece “Summertime”, dos irmãos George e Ira Gershwin? Ah, pois essa me faz feliz. De repente, do nada, eu me pego cantando ou assoviando essa música. Escutei-a, na primeira vez, lá no começo dos 70 com a Janis Joplin, mas a gravação que me enternece é da Ella Fitzgerald com o trompete e a voz inconfundível do Louis Armstrong. E como não gostar de “Ronda”, do Paulo Vanzolini, na voz rouca da Márcia? Ou de “Detalhes” do Erasmo e do Roberto? Mas, a música que eu considero a mais bem feita, a minha favorita é “Every Time We Say Goodbye” do Cole Porter. Essa é bonita até na voz do Chico Buarque.

Essa compulsão por boa música me vem da infância. Minha mãe cantarolava o dia inteiro. Era Dalva de Oliveira, Vicente Celestino, Chico Viola. Até que cantava afinada a minha velha. Meu pai já gostava de Altemar Dutra, Nelson Gonçalves e Xitãozinho e Xororó. Eu somei isso tudo, acrescentei os meus, e o meu gosto, hoje, vai de Led Zeppelin a Tonico e Tinoco, passando por Mozart e Beethoven. Alguém pode dizer que isso não é “um” gosto, é uma miscelânea eclética. Pois é mesmo, a música é eclética. Os insensíveis vão dizer que música é só matemática. Certo! É mesmo. Mas, música exprime estados d’alma, por isso o ecletismo. A música te acompanha, mesmo que não percebas, entre a alegria e a dor. E veja, como na dor, ela pode te transportar para a alegria. Experimente a “Ode à Alegria” da 9ª Sinfonia de Beethoven, depois me diga se é verdade ou não. A música também não pode ser estereotipada, há muita gente de bombachas que gostam de “rock”, há roqueiros que adoram samba, há sambistas que gostam de ópera. Porque a música quando é boa é universal.

Ano passado, eu ia em direção à Feira do Livro, na Praça da Alfândega, quando um garoto na minha frente começou a assoviar “Jesus Alegria dos Homens”. Ora, fiquei maravilhado. Ele usava uma calça frouxa, mostrando as cuecas, e usava um boné virado para trás. Onde ele teria aprendido essa música? (Rá, rá, olha aí o preconceito, o estereótipo!) Ele poderia estar assoviando um “rap” ou um “rock”, mas era Johann Sebastian Bach quem o fazia feliz naquele momento. Que poder tem a música! Por que esse assunto hoje, afinal? Sei lá! Talvez porque eu tenha escutado “Summertime” logo cedo, e isso tenha me enchido de alegria.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A hora é agora.





Há uns dias atrás, veio-me um lampejo de consciência: nós estamos mesmo destruindo a casa em que moramos. Nós, que eu digo, somos os seres humanos, e estamos acabando com este planetinha azul com o qual giramos pelo espaço. Pois, esse “estalo interior” surgiu-me na virada do ano, com as tragédias de Angra dos Reis, no interior de São Paulo, em Minas e no interior do Rio Grande. Que chuvarada! Isso tudo de uma vez só, sem trégua. Minha gente, esse foi um alerta e tanto. É melhor repensarmos nosso comportamento em relação às coisas do meio ambiente, sob pena de pagarmos um preço alto muito em breve. Se bem que algumas pessoas já pagaram esse preço com a vida, nesses acontecimentos trágicos que citei acima.

Trinta, quarenta anos atrás, o tema ecologia era tratado como coisa de quem não tinha o que fazer, frescura de intelectual que não conhecia mato, coisa de maconheiro ou de efeminidados enrustidos (já vou logo avisando que nunca pensei assim). Não se dava, nem na política nem na sociedade, oportunidade para uma discussão séria sobre o meio ambiente. O negócio bom era desmatar e construir estradas. Quando os árabes criaram a crise do petróleo em 1973, aquilo foi um “Deus nos acuda!”, por que não se pensava em outra forma de energia que não viesse do “ouro negro”. As prefeituras permitiam (e ainda permitem) construções desordenadas em áreas de proteção ambiental ou de risco (vide Angra, Salvador e Belo Horizonte). Desenvolvimento a qualquer preço.

Sempre olhei com reservas esses “profetas” do apocalipse ambiental. Ainda não sei se estão certos sobre o aquecimento global ou se isso é mesmo cíclico, como querem outros. Mas, sei que, se avançarmos sobre a natureza, feito loucos com máquinas e homens, ela avançará sobre nós. E ela é, como se viu, muito mais poderosa. Deus perdoa sempre, a natureza nunca. Se os governantes, infelizmente um mal necessário, não se ocupam com políticas ambientais globais, o homem comum deve criar uma mentalidade de proteção à natureza que o cerca. E não adianta só sair por aí em passeatas, carregando cartazes. Quer sua cidade limpa? Cuide do seu quintal e da sua calçada. Não jogue lixo na rua, na praia ou pela janela do carro. Separe o lixo que pode ser reciclado. Antes de mudar o mundo, é preciso aprender a mudar de postura diante dele. Não há mais tempo para divagações. O perigo, como se viu, é real. A hora é agora, e o mundo é uma aldeia só.

É..., feliz ano novo!



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