A Superstição.
Os homens iniciam por entender-se na vida ao nível da opinião e como
desconhecem as verdades, completam as lacunas de seu entendimento com as ideias
inferiores das crenças. Somente com grande esforço e luta ingente livra-se da
simples opinião para elevar-se ao nível do conhecimento. Essa luta chama-se
educação, esclarecimento, o que Kant chama de aufklärung (iluminação),
que abre a mente do homem para realidades nunca imaginadas pela simples
opinião.
A distinção de Platão
entre ciência e opinião podemos equivaler, atualmente, entre conhecimento e
superstição. É reconhecimento geral que a ciência revelou-nos realidades
maravilhosas e extraordinárias do mundo natural, e mais, levou o homem à Lua, a
medicina erradicou doenças antes mortais, a tecnologia criou computadores que
nos trouxeram à era digital e à inteligência artificial. Quase todos afirmam
também que superstição é pouco mais que tolice. Também é senso comum que se uma
afirmação tem fundamento científico, deve-se investir nela como uma crença, ao
passo que se a afirmação baseia-se em superstição, não vale a pena tratá-la com
seriedade. Onde não há concordância, porém, é saber o que constitui ciência e o
que constitui superstição. Porque aquilo que algumas pessoas chamam de ciência,
outras chamam de superstição tola.
A superstição parece ter por causa e
fundamento a ideia pequena que fazemos do mundo, mais ainda da vida de relação
que somos obrigados a ter com os outros. A Sorte e o Azar são ecos da deusa Fortuna,
que nos leva pelo campo da ignorância, no instante que percebemos a
contingência do mundo e as muitas possibilidades que um simples dia pode
carregar; simplificando, isso nos faz temer. “Que tragédias nos visitarão
hoje?” Essa pura incerteza nos coloca numa gangorra: medo e esperança. Não
nos enganemos, no entanto, que nem sempre esperança é boa e o medo é ruim. São
apenas expectativa em relação ao que o futuro trará. Se a expectativa for de
alegria, haverá esperança, se a promessa é de tristeza, será o medo. A
contingência da vida pode fazer qualquer uma das coisas se concretizar, mas o
resultado da expectativa pode desaguar no seu oposto. A expectativa de que a
coisa boa aconteça pode efetivamente se realizar, o que pode nos levar ao medo
de não haver a mesma “sorte” da próxima vez. Ou o medo pode se concretizar,
então haverá a esperança de que o problema desapareça. Medo e esperança são as
duas faces da mesma moeda, tantas vezes lançada.
A superstição nasce do caos que
domina o mundo dos desejos desmedidos, como força que domina. A Razão, perde
seu lugar, logo ela que levaria as massas à liberdade. Os homens passam a
acreditar que objetos, tidos como sagrados, trazem sorte a quem os carrega; que
a palma da mão indica presságios; que os planetas influenciam suas vidas, suas
ações e suas personalidades. Queimar feiticeiras era plenamente aceitável, mas
dar três batidinhas na madeira é superstição inocente. A realidade das coisas
continua despercebida e questionada como se fosse uma mentira.
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